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sexta-feira, 12 de julho de 2013

Momentos vividos com Jânio Quadros de Paulo Konder Bornhausen Uma amarga lição para os dias de hoje.


Momentos vividos com Jânio Quadros

      Paulo Konder Bornhausen



Fui amigo de Jânio Quadros bem antes de ele ser Presidente da República. Tivemos muitas conversas, encontros em São Paulo em sua residência e em casa de amigos, até o hospedei com a Dona Eloá e a filha Tútú em minha casa em Joinville.

Era um homem culto, inteligente, de raro senso de humor. Uma criatura envolvente e encantadora, quando expunha suas idéias.

Saía das nossas conversas embevecido e pensando “agora vamos ter o Presidente que tanto necessitamos”.

Verdade se diga, abusava da bebida, principalmente o Whisky, até ao exagero, mas fóra do trabalho.

Quando definiu ser candidato e meu pai também, uma vez mais, para Governador do Estado, embora tentasse convencê-lo em vão de não fazê-lo, entendi para ajudá-lo, me candidatar a prefeito de Joinville, onde gozava de muito prestígio, na UDN, que se enfraquecera com a dissidência comandada pelo seu maior líder, João Colin, ex-prefeito e que fora Secretario de Estado, no governo de meu pai, quando eleito em 1950.

Sabia das minhas chances diminutas. Tinha consciência delas, pois além da dissidência da UDN, o outro candidato Helmuth Fallgatter, Diretor das Drogarias Catarinense, que falava um português com sotaque alemão, tinha o apoio dos outros cinco partidos existentes na época, além da máquina da Prefeitura (o prefeito era o Baltazar Bucheller) e o apoio escancarado do Governo do Estado, cujo Governador era o Celso Ramos.

Contrariando todos os prognósticos, depois de uma campanha inédita, em que realizei comícios em todas as ruas da cidade, perdi as eleições, por pouco mais de trezentos votos, obtendo 48,21 % do apoio dos Joinvillenses. Foi a maior façanha da minha vida Pública. Aprendi que a derrota honrosa é muitas vezes superior a uma eventual vitória.

Jânio foi o candidato mais votado para a Presidência e Jango Goulart para a Vice-Presidência.

Terminada as eleições, recebi um convite do Presidente da Varig, Rubens Berta, para participar da viagem inaugural do Boing recém adquirido, para fazer a rota Rio - Nova York. Aceitei e pude conhecer a grande cidade. Era uma glória antigamente, para um jovem de 30 anos, viajar para o Exterior, ainda mais para Nova York.

No meu regresso, voltaria a advogar no escritório que mantinha com o Plínio Bueno, colega de Faculdade e que veio comigo para Joinville, escritório este inaugurado em abril de 1953, tanto que sou o nº 173 da OAB catarinense.

Já era casado com Ivete e com dois filhos Ricardo e Patrícia na escola, depois de ter sido eleito deputado para o mandato de 1954-1958, não tendo me candidatado a reeleição.

No inicio de 1960, já empossado, Janio Quadros, recebi um convite dele por intermédio do seu Ministro da Indústria e Comercio, Artur Bernardes Filho, para ser o Presidente do Instituto Nacional do Pinho, o INP, que era em importância só superado pelo Instituto Brasileiro do Café, o IBC, já que o café e a madeira, sobretudo o pinheiro araucária, eram os produtos mais exportados pelo país. As grandes reservas de pinho estavam no Paraná, Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

Relutei inicialmente. Afinal, seria um transtorno para a família e já estávamos morando numa bela mansão construída num grande terreno e localizado no topo do morro, no bairro Floresta, e as crianças indo muito bem na escola.

Por insistência de meu pai e o apoio da minha mulher Ivete, decidi aceitar o desafio.

Viajei para o Rio e fui ao encontro do Ministro Artur Bernardes. Conversamos e ele marcou a posse para dois dias depois. Pedi que me desse uma semana a mais e ele concordou. Necessitava conhecer as tarefas que iria presidir e a situação em que se encontrava o INP. Para a minha sorte, tinha um primo Guilherme Konder Fleischmann (Willy) que morou em minha casa muitos anos, quando eu era estudante, que exercia um alto cargo no Instituto. Durante toda a semana passei com ele, no apart-hotel que meu pai tinha no Hotel Plaza, na Prado Junior, me inteirando de tudo o que necessitava para me sentir confortável e preparado para assumir o importante cargo, que representou o início da minha vida pública no âmbito federal.

Minha posse, substituindo o também catarinense, Aristides Largura, foi concorrida e estavam presentes meus amigos do Rio de Janeiro, parentes, madeireiros e os itajaienses Helio Guerreiro, Luiz Razzini, Paulo Collares, Marcos Francisco Heusi e Francisco Lins, entre outros.

A sede do Instituto ficava na Rua do México, bem no centro da cidade. Em breve me assenhorei das novas funções e providenciei a vinda para o Rio da Ivete e nossos filhos.

Dois meses depois, recebi do José Aparecido, Secretário do Presidente, um telefonema marcando uma audiência com ele em Brasília, pois desejava falar urgente comigo.

Preparei um relatório das minhas atividades e viajei no dia marcado, acompanhado do Willy.

Do Aeroporto fui direto ao Alvorada. No horário acertado, sem mais nem menos um minuto, seu chefe da Casa Civil, Quintanilha, me introduziu na sala Presidencial.

O presidente encontrava-se sentado a frente de sua mesa, vestindo sua tradicional roupa de Safari.

Cumprimentou-me sério e ordenou, apontando para uma cadeira a sua frente;

– “Paulo, sente-se. Temos muito o que conversar”.

– “Pois não” Respondi.

Ele então dissertou sobre as dificuldades que estava enfrentando para consertar o estado precário do país, para depois indagar-me sobre o INP.

Entreguei-lhe o relatório e quando ameacei falar, ele disse;

– “Deixe-me primeiro ler” (O relatório).

Na realidade, fez uma leitura dinâmica e no meio dela, quando tratava das milhares de madeireiras clandestinas e eu pedia vinte Jeeps para usá-los na fiscalização, ele interrompeu a leitura e bradou;

– “Que barbaridade, este pais está perdido!”.

Quando terminou, fez contidos elogios, demonstrando satisfação e ao despedir-se me falou em alto tom;

– “Paulo, nossa tarefa é muito difícil, lembre-se que o povo nos espia e não podemos decepcioná-lo”. E acrescentou:

– “Quanto aos Jeeps, vou concedê-los, mas meu Governo tem um lema, “Gastança Zero”. É uma exceção necessária e só por isso a faço!”.

Saí do Palácio aliviado, mas também preocupado com o que me revelara.

Quatro meses depois um novo telefonema do José Aparecido, me dava conta de duas missões brasileiras: uma a Cuba e outra a China. Dizia-me que eu integraria a missão a Cuba e deveria nomear um representante do INP, para a missão a China, que seria chefiada pelo Vice-Presidente da Republica, Jango Goulart.

Já estava anunciada a visita do Che Guevara ao Brasil, ocasião em que seria condecorado com a “Ordem do Cruzeiro do Sul”.

No dia seguinte recebi a notícia do Chefe da nossa missão a Cuba, Embaixador Borges Fonseca, que eu seria o seu Vice-Presidente e ela contava com onze integrantes, sendo um deles o Deputado Federal, o catarinense Wilmar Dias.

Nomeie o Willy como representante da INP para a missão a China. Na verdade, as missões eram todas procedidas para a execução de um plano que desconhecia, além de ser uma provocação aos  americanos, a quem chamava de “Yanks canibais”. Chegando em Havana, fomos alojados numa luxuosa mansão de um espanhol que havia sido assassinado pela milícia de Fidel Castro que há dois anos se tornara ditador, depois de sua vitoriosa e sangrenta revolução.

Na mesma residência encontramos o nosso grande pintor Di Calvacanti que lá estava exilado, não sei por que razões.

Éramos vigiados dia e noite por soldadas ou soldados cubanos armados com metralhadores.

O pretexto da viagem era a assinatura de um acordo bilateral entre o Banco do Brasil (não havia aqui Banco Central) e o Banco Central de Cuba de dois milhões de dollares, que na época era uma robusta quantia.

No terceiro dia em Havana estávamos almoçando em uma suntuosa sala da residência, vigiados pelos militares cubanos, quando um deles chamou pelo meu nome, dizendo que havia um telefonema do Brasil e ele iria me acompanhar até o local em que estava o telefone. Desci para o andar de baixo e ele ficou ao meu lado.

Era a Ivete, que conseguiu milagrosamente obter, graças a boa vontade de uma telefonista, fazer a ligação e foi logo gritando:

– “Paulo, o Jânio renunciou!”.

Eu, estarrecido, respondi:

- “Ivete não foi o Carlos Lacerda?” (que havia rompido com o Jânio, que pôs suas malas para fóra do quarto que o hospedava no Palácio da Alvorada)

- “Não.” Repetiu ela.

 - “Foi o Jânio. E o Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara, já assumiu a Presidência”.

Estava aturdido. Subi para sala do almoço e chamei para o lado de fóra o Embaixador Borges da Fonseca, e lhe contei o que tinha acontecido. Ele me respondeu convicto:

- “E impossível! Vou a Chancelaría falar com o Embaixador Jacinto de Barros e você volte para o almoço e não conte nada a ninguém”.

Voltei a sala do almoço e como era lógico fui alvo das mais variadas indagações, as quais respondi que se tratava da minha mulher dando noticias dela e das crianças.

Ainda estavam todos sentados a mesa, quando abriu-se a porta da sala e entrou o Embaixador Borges da Fonseca gritando:

- “Paulo é verdade o Jânio renunciou!”.

Foi um alvoroço total. Todos querendo saber da ocorrência, das razões do ato do Presidente e como ficariam as coisas no Brasil e conosco em Havana.

O Embaixador procurou nos explicar o que ouviu do Ministro das Relações do Exteriores, com quem conversou por telefone, procurando tranqüilizar a todos.

A tarde íamos nos reunir com o Che Guevara como aconteceu, que já voltara devidamente condecorado pelo Jânio com a “Ordem do Cruzeiro do Sul”. Nesta ocasião, ficou acertado para a noite, a assinatura do acordo bilateral ajustado e que teria a presença de Fidel Castro.

Quando voltamos a residência, nos reunimos com o Embaixador do Brasil em Cuba Jacinto de Barros, para obter detalhes da renúncia.

Nesta reunião pedi a palavra e afirmei de forma categórica:

- “Senhores Embaixadores, não só não assinarei o acordo como não irei ao evento. Entendo que a política externa brasileira pela nossa Constituição é privativa da competência do Presidente da República, que já renunciou. Não reconheço mais validade do acordo autorizado.

Foi o que aconteceu. O acordo foi assinado sem minha presença.

Levamos quase vinte dias para poder regressar ao Rio, pois os aviões das companhias americanas haviam cancelado seus vôos para Havana e somente após o levantamento da suspensão, voltamos ao Rio, via Miami.

Do Galeão, fui diretamente ao Ministro Ulisses Guimarães, nomeado no lugar do Arthur Bernardes Filho pelo Primeiro Ministro, Tancredo Neves, pois já vigia no país o Parlamentarismo.

Esperei uns vinte minutos para ser recebido e depois de cumprimentar o Ministro Ulisses, lhe disse:

- “Estou chegando de Cuba e vim lhe entregar o cargo de Presidente do Instituto Nacional do Pinho, em caráter irrevogável. Não ficarei um minuto mais no Governo Jango Goulart, do qual discordo em gênero, número e grau!”.

Ele ainda apelou para amizade dele e do Tancredo com o meu pai, então Senador e procurou me convencer que com o Parlamentarismo quem mandava era o Primeiro Ministro. Porém, não voltei atrás. Fui a Sede do INP buscar o meu material pessoal, despedir-me dos funcionários e de lá me dirigi para o apartamento que tínhamos alugado na Rua Toneleros, em Copacabana.

Conversei com a Ivete, justifiquei minha atitude e iniciamos o difícil processo de regressar a Joinville e as conseqüências decorrentes.

Em poucos dias estávamos em nossa casa e retomava minhas atividades como advogado, depois de matricular novamente as crianças na Escola.

No fundo, embora tivesse uma idéia não muito convicta do ato do Presidente, fiquei como muitos, uma “viúva” do Jânio.

Meses depois quando voltou da Inglaterra, por insistência do meu querido amigo Padre Godinho, que era Deputado, fui convidado para um jantar que o também Deputado Cunha Bueno iria lhe oferecer. Já então tinha minha opinião firmada, de que Jânio queria ter mais poderes, retirando-os do Congresso, e esperava que o povo lhe apoiasse, o que ele traduziu em “forças ocultas”. Durante o jantar, muito concorrido, apenas lhe cumprimentei até o momento em que me juntei a um grupo no qual se encontrava a esposa do anfitrião que lhe fez uma pergunta direta:

- “Presidente, afinal, porque o senhor renunciou?”

Ele, com indisfarçável cinismo e sorridente, respondeu:

- “Porque sou um predestinado”.

Foi o suficiente para me retirar.

Depois disso me procurou diversas vezes e eu me neguei a atendê-lo.

Considero que seu ato tresloucado foi início da derrocada que o nosso país atravessou por muitos anos, a partir de 1961.

Com tudo isso, confirmando o adágio de que o eleitor brasileiro tem memória curta, com a volta das eleições diretas, ainda se reelegeu outra vez Prefeito de São Paulo.

Uma amarga lição para os dias de hoje.

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